sexta-feira, 19 de junho de 2015

O extinto de sobrevivência fala mais alto




Poderia ser mais uma manhã de sexta-feira. Como eu bem disse, poderia, mas não foi. Seus olhos, cheios de dor e súplica, ainda me olham. Me senti inquieta. Desorientada. Caminhando e pensando: Por que tanta desigualdade? Cadê as oportunidades? Cadê a dignidade? São tantos questionamentos...A cena é comum e muitas vezes é triste e constrangedora. A primeira sensação que temos é de medo e de susto, e então procuramos evitar qualquer contato temendo alguma agressão. Afinal, ouvimos e lemos histórias que nos contam e nos enchem de medo e até de pavor, relacionadas a essas pessoas que vivem nas ruas ou praças. Por isto tratamos sempre de evita-las.
Os motivos que levam uma pessoa a morar na rua são vários, como o desemprego, o abandono familiar ou até falta da família, a situação econômica, o desajuste social, problemas psicológicos e, muitas vezes, o vício em drogas como o álcool e o crack. Essas pessoas já não veem expectativas em suas vidas, se encontram em uma situação de sobrevivência, fora do contexto social, sem esperanças ou sonhos, usando de papelões e jornais como camas, proteção do frio durante a noite e se esquivando do sol e da chuva da nossa cidade. O olhar atento sobre a realidade permite concluir que as pessoas que vivem em situação de rua sofrem todas as formas de violação de seus direitos humanos e, para sobreviverem, utilizam-se de diferentes estratégias.
Muitos moradores sobrevivem pedindo esmolas, catando papelão, latinhas, vendendo balas no faróis e muitos roubam para garantir o “pão de cada dia“, eles se adaptam rápido nas ruas. A fome para quem já passou é algo monstruoso, é desumano e tem endereço fixo, ela se encontra onde tem pobreza, miséria, falta de direitos básicos. E quando um morador de rua ao deitar para dormir, ele fica com esperança de acordar no dia seguinte, pois a violência é grande contra essas pessoas. Ao acorda ele não sabe quando vai ser sua primeira refeição. Estando com fome uma pessoa chega ao extremo das coisas mais surpreendentes, em situação humilhante, os moradores de ruas tem que se virar de todas as formas para se alimentarem pedindo, pegando nos lixos parecendo um bicho ou roubando mesmo.
O poema “O bicho” de Manuel Bandeira retrata muito bem essa triste realidade. O extinto de sobrevivência fala mais alto e suas capacidades de se adaptarem a falta de higiene como banhos, escovarem os dentes, os cabelos, ou às doenças como frieiras, cortes, micose, piolhos enfim, muitas outras pragas são ignorados por eles.
Este homem na foto me fitou um olhar tão profundo que me senti sem chão. O ar me faltou, as pernas bambearam. A voz falhou. E a única coisa que consegui falar, foi: "Que você tenha um bom dia!". Eu queria falar mais, queria saber seu nome, por que estava ali, mas não consegui.
Mas antes de partir, seus olhos encontraram com os meus pela última vez. Foi como se ninguém nunca houvesse o notado ali, tampouco o encarado, trocado alguma palavra com ele. Não sei se foi minha imaginação, mas vi um brilho em seu olhar tão amargurado, e sorri. Ele não falou, não se mexeu, apenas me olhou e assim nos despedimos.
Mas acreditem, essas pessoas que são consideradas como bárbaros, canibais, vândalos, na verdade são pessoas amorosas, com sentimentos, são amigos solidários.

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