sexta-feira, 5 de junho de 2015

Secularização e Religião

Cavalcante Jordan.       
O processo de unificação (ou globalização) do mundo é certamente um dos traços característicos de nossa época. É comum dizer-se que o mundo se converteu numa única aldeia planetária, onde todos os homens e mulheres em certa medida vivem de idêntica maneira.  Este processo se dá por uma nova faze do capitalismo, advinda da revolução técnica – cientifica; de um apogeu do liberalismo econômico e da explosão dos meios de comunicação de massa que uniformizaram o comportamento humano. Estamos diante de um mundo sem fronteiras, de livre circulação de mercadorias e de pessoas; um mundo de blocos econômicos, de multinacionais, um mundo cosmopolita.
O processo de globalização sem duvida introduziu mudanças muito profundas na sociedade. Berger (1985) define secularização como “processo pelo qual setores da sociedade e da cultura são subtraídos à dominação das instituições e símbolos religiosos”. Sendo assim, do ponto de vista da religião, temos uma radical separação entre as realidades de domínio publico e aquelas do âmbito da vida privada. A atividade religiosa dos membros de qualquer sistema religioso não determina mais o caminhar da vida da sociedade, como também os âmbitos da cultura, da economia, da política e da comunicação, confinando-se, portanto, aquilo que diz respeito ao individuo em seus aspectos mais particulares.
Interessa-nos ressaltar também que o termo secularização é utilizado tanto para se determinar a libertação do homem moderno da tutela da religião como para definir o processo atual de descristianização da cultura, principalmente nos países de tradição cristã. Basta olharmos a produção das artes, da literatura, da filosofia, para compreendermos que se desenvolve acentuadamente um declínio dos conteúdos religiosos em geral na sociedade.
A secularização moderna inevitavelmente deu origem a um novo ethos, que teve o seu início basicamente com o pensamento dos iluministas, permanecendo, com algumas alterações, na atualidade pós-moderna. O ethos moderno não somente afetou o comportamento dos indivíduos como também as concepções do mundo e as estruturas da sociedade.
Com a destronização dos absolutismos religiosos, o processo de secularização se caracteriza por uma forte onda de relativismo ético-normativo que, por sua vez, manifesta-se em forma de subjetivismo e pluralismo ético.
Pela expressão relativismo ético-normativo entende-se a possibilidade de fundamentar juízos morais diversificados sobre ações divergentes. [...] posto que existe uma multiplicidade de morais, dever-se-á aceitar também uma multiplicidade de fundamentações do juízo moral.  (RATZINGER, 2007).

O secularismo contribui para uma concepção subjetivista do juízo moral. Com isso, o juízo moral é verdadeiro pelo próprio fato de provir da consciência. Esta concepção subjetivista contribuiu para a exaltação de outra característica marcante no processo de secularização: o individualismo.
O subjetivismo quase absoluto é uma das características da mentalidade contemporânea, ou seja, o indivíduo é incentivado a buscar em si mesmo os critérios para a verdade do seu comportamento moral. Com isso, o bem e o mal são relativizados, porque dependem do ponto de vista do indivíduo. É a libertação das amarras da moral tradicional.
A secularização desencadeou uma radical mudança no sistema de valores. A verdade liberta de sua fundamentação metafísica e universal fica à mercê do subjetivismo individualista, ela perde sua objetividade e universalidade. Isso provoca uma grave crise de valores, visto que a própria fragmentação do conceito de verdade abriu caminho para um profundo subjetivismo moral (FERREIRA, 2011).
O rompimento com a tradição, uma das características marcantes da contemporaneidade, é um motivo determinante para o surgimento do sistema religioso plural. O indivíduo advertindo em si a desorientação causada pelas respostas não oferecidas pelos avanços da ciência parte em busca não simplesmente de um sentido para o seu existir, mas de um lugar de experiência, onde possa encontrar segurança e paz em meio ao caos da fragmentação cultural. Estamos diante de todo um contexto armado para o ingresso de novas religiosidades.
Devemos considerar também que o pluralismo religioso atua no cenário contemporâneo, em função de um processo, significativamente amadurecido, conhecido como interculturalidade, esta significa a interação entre dois ou mais universos culturais, em um processo muito complexo de relação e distancia, ou de troca e de recíproco interrogar-se, em nível pessoal, comunitário, estrutural e em nível mais profundo da visão de mundo (FERREIRA, 2011).
Não resta dúvida de que o aumento dos processos mercantis globalizantes, operados por instituições transnacionais, no enfraquecimento do controle das fronteiras, o rápido desenvolvimento tecnológico nas comunicações, a livre circulação de pessoas dentro de blocos econômicos, enfim todo o processo de globalização corroborou para a interculturalidade.
No universo religioso plural, a interculturalidade se caracteriza pela busca do dialogo interreligioso, seja como diálogo interconfessional entre os responsáveis e os dirigentes das diversas instituições religiosas, seja como dialogo entre os fiéis, independentemente daquilo que pode ocorrer em outros níveis. Nesse contexto, percebemos a importância de analisar duas situações intrigantes: o “retorno” do sagrado e a questão do mercado religioso(FERREIRA, 2011).
A modernidade conheceu um processo crescente de secularização, em que todos os âmbitos da vida da sociedade foram se afirmando como realidades meramente terrenas, tirando assim a influência do sagrado, do religioso, do transcendental. Uma série de eventos históricos como o advento das cidades, o fenômeno urbano, e outros acontecimentos, contribuíram para a formação de uma idéia fundamental, na qual o sistema religioso na vida das cidades, caso existisse, se confinava ao âmbito privado e não mais publico. A crise de credibilidade na religião é o modo mais evidente do efeito produzido pelo processo de secularização.
Em contrapartida, o recente fenômeno de efervescência da religiosidade, particularmente no cristianismo, faz nos constatar que o secularismo não conseguiu abafar o sagrado. De fato, de acordo com Berger (1985), a secularização conduziu a uma situação de pluralismo religioso justamente porque conseguiu pôr fim aos monopólios das grandes tradições religiosas.
Estamos diante de um paradoxo, de um lado alguns são do parecer de que vivemos em um período marcado pela perda da fé, ou seja, a sedução, provocada pela racionalidade, incentivou o homem moderno ao abandono das crenças. Outros, pelo contrario, conseguiram perceber que esse “encurtamento” do sagrado purificou-lhes a fé. Tal purificação significou espanar da fé aquelas formas místicas e arcaicas, presentes também na experiência da fé cristã.
Podemos, assim, concluir que o sagrado foi colocado à prova em função das grandes mudanças ocorridas na contemporaneidade e, com isso, a religião, ao entrar em um processo de crise de credibilidade, não pôde mais sustentar suas características tradicionais. A secularização forçou urgentes mudanças dentro da religião.


O pluralismo religioso exige, das antigas tradições religiosas uma readaptação para encontrar uma relevância social. Na atualidade, a religião se caracteriza pela sua “privatização”: é uma questão de escolha ou de preferência do indivíduo, carecendo, portanto, de obrigatoriedade em relação à aceitação.

REFERÊNCIAS

BERGER, Peter Ludwig. O dossel sagrado: elementos para uma teoria sociológica da religião. São Paulo: Paulus, 1985.

FERREIRA, Wagner. As novas comunidades no contexto sociocultural contemporâneo. São Paulo: Canção Nova, 2011.

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